É preciso cegarem-se todos para que enxerguemos a essência de cada um?

05/06/2020

Na sociedade moderna da qual nos encontramos, as redes sociais ganham cada vez mais importância e simultaneamente reforçam um ideal de aparência.

Nas redes sociais somos livres para construir uma imagem da qual queremos passar e toda postagem é selecionada, como as selfies, fotos que transmitem os momentos "mágicos", poses "perfeitas", aventuras incríveis e até um prato de comida. 

Ao seguir alguém em um mundo virtual, vemos uma imagem idealizada e as definições acabam por serem rápidas e supérfluas como se as encaixassem em um estereótipo que diz o que cada pessoa é apenas por suas fotos que na maioria das vezes, são filtradas.

Estamos em uma era de achismos em que os julgamentos surgem com as imagens postadas nas redes sociais e com essas meras definições, achamos que conhecemos alguém.

O ser humano é complexo, ele vive o quebra-cabeça do cotidiano e é movido além das aparências e status. Para conhecer alguém em sua profundidade é preciso estar em um mundo real e ser real. Só saberemos enxergar verdadeiramente o outro com os nossos olhos internos ou então estaremos cegos para a complexidade e verdade do ser.

"É preciso cegarem-se todos para que enxerguemos a essência de cada um?"

Esse é um dos questionamentos que ficam após a leitura do livro Ensaio Sobre a Cegueira (1995), obra prima do escritor Português, José Saramago e  adaptada para filme (2008) pelo diretor Fernando Meirelles.

O livro não faz somente referência a uma distopia, como também nos faz temer a humanidade em situações extremas.

Em Ensaio Sobre a Cegueira a trama desperta quando um dos personagens grita estranhamente "Estou cego" e no emanar das palavras, com poucas pontuações, muitas vírgulas e abarrotada de sátiras filosóficas, o leitor se depara com uma situação de caos, as pessoas vão perdendo a visão, uma epidemia se instala na sociedade e passa fazer parte da rotina.

O Governo na tentativa de impedir a disseminação da nova e até então estranha doença, decreta quarentena e isola todos os cegos em um manicômio. No entanto, entre tantos cegos presos existe uma mulher que ainda consegue enxergar, era a única que podia ver as imagens horrendas e encantadoras descritas pelo autor. No livro é chamada de mulher do médico, o nome dela não é revelado, assim como nenhum outro, todos os personagens permanecem anônimos no livro, conhecidos apenas como "a mulher do médico", "o homem da venda preta", "o cão das lágrimas", "a rapariga dos óculos escuros".

O local onde estavam funcionava como uma espécie de prisão cercada por militares que atiravam caso algum cego se aproximasse. Dominados pelo medo do agora e a incerteza do amanhã, o homem da venda preta que antes da cegueira já enxergava apenas com um dos olhos, é quem relata o que acontece do lado de fora do manicômio, através de seu rádio e das notícias, ele abre os olhos do leitor para a realidade do mundo. A comida escassa, condições de higiene deplorável e conforme o tempo passa, mais pessoas chegam e menos recursos o governo disponibiliza.

"A responsabilidade de ter olhos quando os outros perderam", com essa frase o autor mostra a importância de ter empatia em um mundo onde não é difícil de notar que isso está se perdendo. De um lado, o Governo toma atitudes impensadas na tentativa de isolar o problema, em vez de estudá-los. Do outro, mesmo que em um grau menor, vemos alguns que mostram seu lado mais humano e ajudam quem mais precisa. E em todos os lados, as pessoas lutam pela sua sobrevivência.

"Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, cegos que vêem, cegos que vendo, não vêem" José Saramago critica o individualismo e relata em Ensaio Sobre a Cegueira a essência do ser humano diante de um mundo sem aparências e sem amarras.

Ao final do livro, além do leitor passar pela ressaca literária, o que ficam são as dúvidas: É assim que os homens verdadeiramente são?, é preciso cegarem-se todos para que enxerguemos a essência de cada um?

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