A ONDA BRASILEIRA

07/05/2020

No filme alemão 'A Onda', de 2008, retrata a sala de um professor que ficou responsável para ministrar aulas sobre a autocracia. A turma acredita que uma nova ditadura, ou governo autocrático, jamais será implementado, novamente, em solo alemão. 

Visto isso o professor propõe a criação de um grupo, com nome, saudação e uniforme, para um projeto que durará uma semana. Porém, o simples grupo toma proporções inimagináveis, espalhando-se por toda a cidade, o sentimento de orgulho, nacionalidade e acolhimento por fazer parte de um movimento, são algumas das razões para o grupo atrair mais e mais pessoas. Quando se dá conta da proporção do grupo, dos problemas e do sentimento de ódio, causado nos estudantes o professor decide acabar com o movimento, entretanto, já é tarde demais. Quando recebe a notícia pelo professor, de que o grupo irá terminar, um dos alunos se revolta, atira em um dos colegas e na sequência, tira a própria vida. O professor é responsabilizado pelas causas e termina sendo preso.

Sentimento de revolta, satisfação por fazer parte de um grupo e de lutar por uma causa.

Situação atual que presenciamos em nosso país. A política que antes só debatíamos em período eleitoral, hoje toma proporções jamais vistas. Onde figuras políticas se tornam ídolos, suas decisões não devem haver discordâncias, seus pensamentos e ideologias, por mais retrógrados e insensíveis que sejam, devem ser aplaudidos e apoiados. O sociólogo Fledys do Nascimento Sousa, mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Pará, nos explica: "Acredito que para podermos entender um pouco do que estamos vivenciando atualmente no Brasil, é preciso compreender alguns conceitos das ciências sociais, em especial da Ciência Política. Esta nos ensina que existem, essencialmente, três formas de governo: república, monarquia e despotismo. A forma de governo que vivemos no Brasil desde sua proclamação em 1889 é a república, ou seja, nosso governo se caracteriza pela eletividade e temporalidade dos mandatos do chefe do Executivo, outro fato relevante para nossa análise é que desde meados dos anos 1980, com o fim do regime militar, vivemos uma democracia, uma jovem democracia é bem verdade, mas ainda assim, uma democracia. Dito isso, o surgimento de figuras messiânicas que parecem nos redimir de todo o pecado e nos levar a salvação, é uma constante na história da humanidade. Max Weber caracteriza essa forma de dominação de carismática, ou seja, a autoridade dessa liderança se assenta na devoção, na crença transmitida por supostos atos heroicos de um pretenso "Messias", o problema é quando estas figuras corroem e colaboram para a destruição das instituições democráticas, instituições estas conquistadas após muito tempo e sacrifício".

No último domingo, 3, vimos o reflexo disso, onde indivíduos tomados pelo sentimento de ódio e causa, que se dizem favoráveis a democracia, atacaram e até mesmo agrediram órgãos pilares a esse sistema de governo, como o STF, o Congresso Nacional e imprensa. Sousa, prossegue: "Esse movimento antidemocrático não é exclusivo do Brasil, outros países em maior ou menor grau vivem ondas antidemocráticas. Creio que isso ocorra, em grande parte, em decorrência de uma queda nas taxas de lucro do capitalismo internacional originada da crise financeira global de 2008, essa crise levou a uma restruturação do modus operandi de exploração do capital, a um acirramento da luta entre capital e trabalho, a movimentos xenófobos em diversas partes do mundo e ao surgimento de governos de ultra direita em países centrais e periféricos do capitalismo. No Brasil, país da periferia do capital, essa nova fase do capitalismo traz sua face mais cruel, para aumentar os seus lucros o capital e a grande mídia derrubaram um governo nacional desenvolvimentista e alimentaram o ódio em nome do combate à corrupção. Dessa onda, iniciada com o impeachment de 2016, surge Bolsonaro, um político do baixo clero da câmara dos deputados, que há 28 anos gritava seus intemperes homofóbicos, misóginos e sua defesa a torturadores da ditadura militar para uma pequena claque. Não temos como negar que Bolsonaro soube aproveitar o momento político, nas palavras de Maquiavel, ele teve Virtu e Fortuna para chagar ao poder, o problema é que semelhante ao que ocorreu na Alemanha em meados dos anos 1930, a burguesia estava criando um monstro. Hoje este governo que surge para combater a corrupção, apresenta características autocráticas, pois não reconhece os limites do próprio poder e pretende exercê-lo do jeito que bem entender, considera que todos seus adversários são traidores, conspiradores, inimigos, identifica suas posições ideológicas com as do próprio país e, para piorara, conseguiu criar um número considerável de seguidores que vão as ruas e endossam suas posições antidemocráticas".Tudo isso para defender o seu político, chegando até a pedir uma nova ditadura militar, comandada pelo atual presidente. 


Esse mero colunista, vê com tremenda preocupação essa onda, da imposição a sua ideologia e pensamento. Muito semelhante a do filme alemão, no filme o uniforme é uma simples blusa branca, aqui uma camisa da seleção brasileira de futebol, no filme a figura de liderança central é um professor, aqui o líder o atual presidente.


Sousa, conclui: "Achei muito interessante a forma como o roteiro aborda a questão do surgimento de um regime autocrático e fascista em uma sala de aula, bem como a consequente expansão deste para o restante da escola e da cidade. Não tem como não fazer um paralelo com outra obra cinematográfica "A outra história americana", os dois filmes têm finais trágicos e nos ajudam a pensar os dias atuais. No filme "A Onda" o foco principal é a criação de um grupo organizado e disciplinado em torno de uma ideologia ainda difusa, mas que aos poucos começa a tomar corpo e se caracterizar pelo ódio ao outro, ao diferente, ao não membro do grupo. O filme parece nos conduzir por um pouco de nossa história recente, na qual grupos extremistas, em nome da moral, da religião, dos bons costumes e contrariando tudo que é coerente e científico, agridem, discriminam e pregam o retorno de regimes antidemocráticos. Para que não tenhamos um fim trágico como o apresentado no filme, torna-se necessário o fortalecimento dos mecanismos de controle. A sociologia nos ensina que todo poder absoluto dá ideia de corrupção absoluta e que a existência de limites, de críticas, de fiscalização é necessária bom funcionamento do regime democrático e não deve ser visto como algo que simplesmente atrapalha o governo".

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